A conversa foi levada no ritmo de um relógio de bolso que estava sobre a
mesa. O tic-tac mecânico era o único aviso sonoro que ponteava o bate-papo que
jamais seria interrompido por uma ligação de celular. Poeticamente falando, era
exatamente este o clima da entrevista no escritório do arquiteto e urbanista
Francisco Santoro. Por muitos anos ele se recusou a incorporar aos seus hábitos
diários tecnologias como computador, internet e celular. Tanto que ainda
conserva em muito bom estado de uso a mesma máquina fotográfica que comprou em
1977, uma Olympus, para fazer imagens de seus projetos. “Gosto de revelar a
foto em papel”, confessa.
Chico já trabalhou com três prefeitos, desenvolveu muitos projetos para
a cidade e região e hoje assina uma média de 20 trabalhos por mês. Além disso, é
integrante do grupo “Os Chicos”, que tem um repertório diversificado com samba,
MPB e bossa nova e, eventualmente, se
apresenta em bares da cidade.
Com tantas atividades e agitação no dia a dia, como viver sem a
velocidade atual da comunicação? Ele responde: “Minha urgência é relativa. Se
cair o prédio, é problema do engenheiro, sou arquiteto. O agora é importante,
mas fiz a opção de não ficar escravo.” Para ele, tantas possibilidades
tecnológicas de comunicação acabam com a alegria de ter a presença das pessoas.
“É questão de educação e perdemos muito dela, porque estamos conversando e o
celular toca, vou interromper para atender. Eu viajo muito de ônibus e não
consigo dormir ou ler um livro porque tem muitas pessoas conversando no
celular, ouvindo música”, exemplifica.
Do mesmo pensamento compartilha o educador físico Fábio Rogério
Miquilini da Silva, 30. Ele relutou muito para ter um celular e agora tem, mas
raramente usa. “Acabei comprando para suprir uma necessidade dos outros. A
minha geração foi criada sem isso, acho falta de educação ficar atendendo o
celular o tempo todo”, revela.
Ele é preparador físico da equipe de Basquete da Fundesport e por isso,
precisa sempre de um contato direto com a equipe. Acabou comprando o celular de
tanto as pessoas cobrarem e, principalmente, a esposa, que não aguentava mais
marcar recados para ele; muita gente, quando precisa falar com Fábio, acaba ligando
no celular da esposa para deixar recado. “Até o Facebook dela usam para passar
recados para mim”, acrescenta o preparador físico, admitindo que se irrita de
ver as pessoas penduradas no aparelho. E dentro da quadra, o celular é
proibido.
NA MEDIDA CERTA - A psicóloga Daniele Zorzi explica que não há um padrão
para denominar as pessoas dependentes da tecnologia, apenas que se trata de
mais um fator comportamental de socialização, fruto do novo modo de vida. “Todos
já estão engajados na sociedade e a sociedade está engajada neste modernismo. As
pessoas que não aderem a esse comportamento acabam por se sentirem rejeitadas, excluídas
da sociedade. Muitas vezes, esse comportamento de fazer tudo ao mesmo tempo
está relacionado ao fato de tudo ser muito rápido e se você não for rápido o suficiente,
corre o risco de ser excluído”, analisa.
Para ela, é preciso identificar comportamentos patológicos. Esses sim
merecem atenção e cuidados. “Se você dorme com o celular e a qualquer toque
corre pra atender, é sinal de que está se tornando um viciado. Se você sai e o
esquece, parece que teve uma parte do corpo amputada, também já é um dos sinais”,
contextualiza Daniel. “O primeiro passo é ter consciência de que precisa
maneirar no uso do aparelho”, acrescenta.
Para Fabio, as coisas são mais simples. O celular é quem tem que esperar
para ser usado quando necessário e não apenas para situações imediatistas que
podem ser resolvidas quando as pessoas estão juntas. Já para o arquiteto Chico
Santoro, o celular foi adquirido recentemente para agregar valor ao seu
trabalho. Ele se utiliza da internet e do próprio telefone quando está em suas
viagens a trabalho. Também sempre abre seu e-mail, onde fala com os clientes.
Mas nada de exageros.
A propósito, no pulso o arquiteto leva um
relógio digital que possui várias funções, das quais nem mesmo ele sabe dizer
ao certo que valia tem. Porém, o que ele mostra com orgulho é o Roskopf Patent,
relógio de bolso suíço, muito utilizado no início do século passado por
trabalhadores, principalmente, das ferrovias. O mesmo que serviu de inspiração
para o início desta reportagem. “Era um modelo dado para chefes de estação.
Gosto muito de usá-lo em eventos ferroviários”, finaliza Chico Santoro. Publicado em 19 de fevereiro de 2013 pela edição de nº 61 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Lucas Tannuri
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