terça-feira, 5 de março de 2013

Colecionador de história


A aproximadamente 5 quilômetros do centro da cidade, o engenheiro mecânico Murilo Leonardi, 73 anos, guarda verdadeiras relíquias. Sua coleção reúne 100 aviões, cerca de 15 veículos antigos e umas 300 motocicletas. Detalhe: cada uma das peças remonta a uma parte da história mundial dos últimos dois séculos, com raridades como um BMW de 1956; uma motocicleta de cinco cilindros, com motor dentro da roda, que foi um modelo alemão usado como arma secreta durante a 2ª Guerra Mundial; além de aviões antigos de acrobacias. 
Leonardi é engenheiro mecânico e tem especialização em engenharia aeronáutica. Foi professor da USP, engenheiro do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) e trabalhou no Centro Técnico da Aeronáutica (CTA). Ele conta que desde criança era apaixonado por mecânica e tinha uma atração louca por motocicletas, tanto que sua primeira, um modelo japonês de 1940, conquistou aos 10 anos. Passou a colecionar motos, depois de formado. Antes, no período da faculdade, tempo em que também dava aulas em Pirassununga e São Carlos, viajava com uma moto de 1949, refrigerada a água, com transmissão por eixo cardano e partida na mão. Ela está guardada no barracão como tantas outras.
Sua grande aquisição naquela época foi uma Ariel 500 cilindradas, com a qual pôde viajar pela região. Com o tempo, elas foram se amontoando e hoje estão em três barracões. Murilo diz que todas funcionam, apesar de parecerem abandonadas, basta apenas reparos ‘superficiais’. “Vai ter que limpar, abrir o carburador, lixar o platinado, aquelas operações típicas”, detalha o colecionador, que já viajou para diversos estados brasileiros em busca das possantes, principalmente para a região Norte.
As que ele mais se utiliza, porém, estão em sua casa, como a Zundapp de 1951, moto alemã que usa para andar pela cidade. Quando resolve viajar, vai com a Traianf Especial de 950 cilindradas, ano 2001. “Eu nunca tive a intenção de fazer nada com minha coleção. Tenho porque gosto. Ultimamente, me fizeram algumas propostas, inclusive um pessoal da cidade quer fazer um museu e levar estas motos para lá. São coisas que estou pensando ainda”, diz. 

GUINADA PARA O ALTO – A paixão pelas motocicletas o levou ao encontro a algo ainda mais veloz. Leonardi também gostava de viajar para outras cidades para ver shows de acrobacia de aviões. Acabou tirando o brevê em 1966 e passou a voar com aeromodelos de aeroclubes. No entanto, segundo ele mesmo relata, em 1971, perdeu o gosto por tudo, quando, depois de um ano apenas de casado, se separou da esposa. Foi quando o piloto de acrobacias Alberto Bertelli, seu grande amigo, o aconselhou a comprar um avião, um Ryan, modelo STAS. “Ele é de 1936 e era usado em treinamentos da 2ª Guerra Mundial. Na China, eles adaptavam uma metralhadora com emenda nas asas. Mas é um caça leve”, explica o piloto e colecionador. Daí em diante, a vida passou a ser levada nas alturas.  Ao lado do amigo Bertelli, participou de muitos shows de acrobacia, sendo premiado algumas vezes. “Viajamos para Rio Claro, Campinas, Sorocaba, Americana; fui a várias cidades com esse avião. O Bertelli ia com um Biker, um biplano da mesma época. Eram acrobacias simples, tulo, lupin, parafuso, nada igual às acrobacias mais violentas de hoje”, compara.
Como não saia mais do aeroclube, passou a dar aulas de instrução de voo. Mas, em 1978, perdeu o gosto de voar após a morte do amigo Bertelli. Há cerca de 20 anos, resolveu montar seu próprio aeródromo, onde guarda seus modelos e de seus amigos que também adquiriram aeronaves de pequeno porte .
E aos sábados, todos se reúnem para levantar voo. Hoje, Leonardi pilota um Triaton, um monoplano projetado na Universidade de Uberlândia por Claudio Pinto de Barros, falecido em 2012. “É um avião muito bom, baseado em um avião italiano, com motor jabiru 120hp austríaco de seis cilindros. Comporta duas pessoas”, diz.

Histórias de aviador - Com tanto tempo envolvido com aviação, Murilo Leonardo acabou colecionando também algumas lendas. Uma delas envolve sua primeira aquisição; o Ryan. Segundo contam, o primeiro dono da aeronave, Anésio do Amaral, que era campeão mundial de acrobacias, foi encontrado morto ao lado do avião. Muitos acreditaram que ele tivesse cometido o suicídio. Passado um tempo, a viúva vendeu o avião e, anos depois, o novo dono foi encontrado morto da mesma forma. Então, a polícia descobriu que assim como o avião, o segundo dono também havia assumido a amante do anterior. Ambos tiveram filhos com esta mulher, que diziam ser belíssima. “Ela confessou que eles prometeram que cuidariam dela e das crianças; como não cumpriram, ela acabou matando os dois.”

Publicado no dia 05 de março de 2013 pela edição de nº 62 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Lucas Tannuri

Produção independente


Nada como poder viver da própria arte. Algo difícil, mas possível. É o caso de Luciano Salles, conhecido como Pirica, 38, ilustrador de Araraquara, que conta com trabalhos, inclusive que rodam o mundo por meio de projetos internacionais. 
Atualmente, ele trabalha em seu segundo HQ (história em quadrinhos) e diz que não tem editora desde o primeiro, lançado em 2012, porque prefere fazer tudo à sua maneira. “Claro que vou ter que custear a impressão, mas esse investimento consigo recuperar com as vendas”, diz nosso personagem.
Ele explica que tem a ideia, produz o roteiro, revisa e então começa a desenhar quadro a quadro. Essa próxima história é ambientada no ano de 2.177 e tem como ponto central a individualização das pessoas e, como consequência, o fim do acaso, tendo a tecnologia como principal motivo desse distanciamento humano. “Houve um ajeitamento das placas tectônicas e a Euro/Ásia sumiu, afundou. Então, houve um realojamento de toda a Europa, de toda a Ásia para o resto dos países. E isso mudou todo o jeito de ser do planeta. Por exemplo, no nosso caso, a França veio alocada para o Brasil. É um ajustamento geopolítico”, relata, adiantando o enredo.
Mas como toda boa história tem um porém, Juliette Manon, a heroína de 15 anos, irá salvar o planeta corrompido pelo descaso humano, gerando o quarto vivente. E este é nome da nova história em quadrinhos, ‘O Quarto Vivente’, que deve ter 35 páginas.
Luciano diz que pretende imprimi-lo até junho, mas visa na verdade lançá-lo em novembro no 3º Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) de Belo Horizonte (MG). Porém, não descarta o lançamento do trabalho em Araraquara e região, contando com o apoio do SESC, um velho parceiro que sempre faz exposição de seus trabalhos. 
O que mais conta a seu favor, segundo o próprio ilustrador, é que o público de HQ é fiel e tem muitos contatos via internet, por isso a venda de seus trabalhos acontece quase que toda de maneira online, por meio do http://dimensaolimbo.com

COMO TUDO COMEÇOU – A intimidade com papel e lápis começou quase que junto com o aprender a falar e andar para Salles. Desde jovem faz ilustrações, fazendo trabalhos diversos para editoras de renome, como a Abril e a Companhia das Letras. Seu primeiro HQ foi lançado em junho do ano passado, com o nome de Luzcia, a dona do boteco. Ele explica: “É uma senhora que tem uma artrite generalizada muito forte e é dona de um boteco. Para bancar os remédios caros, usa de meios não muito convencionais”.  Luciano fala que fez a história bem rápido, com apenas 12 paginas, para divulgar o seu trabalho. Imprimiu 100 números e vendeu todos. Por isso, vai aproveitar a impressão do segundo trabalho e reeditar A dona do boteco. Tudo vai para a FIQ e estará no site, basta acompanhar e boa diversão. 

Publicado em 05 de março de 2013 na edição de nº 62 da Revista Kappa de Araraquara
Foto: Lucas Tannuri

Os filhos da lua


O albinismo é um distúrbio congênito caracterizado pela ausência completa ou parcial de pigmento na pele, cabelos e olhos, causada pela ausência ou defeito de uma enzima responsável pela produção de melanina que protege nosso corpo dos raios solares. Por isso, os albinos têm a pele sensível, alguns de aparência rosada. Eles também podem sofrer de transtornos visuais como fotofobia, movimento involuntário dos olhos ou estrabismo e, em casos mais severos, cegueira. Apesar do risco dessas complicações, quando se segue a orientação dos médicos, é possível ter uma vida normal. 
Chamados de filhos da lua, os albinos se sentem mais à vontade em ambientes abertos no período noturno. Porém, segundo relatos de Alex Hilário, 20 anos, e André Luís da Silva, 37, o sol não os impede de desempenhar suas atividades, sejam profissionais ou de lazer. “Usando protetor solar, posso ir à praia ou andar pelo sol tranquilamente. Uso protetor solar fator 30 ou 50. Minha pele machuca de fazer bolhas somente se eu ficar mais de quatro horas exposto ao sol quente, fora isso, é tranquilo”, confirma André, também conhecido como Placa. Ele explica: o apelido veio de um amigo pernambucano que, há duas décadas, quando o viu pela primeira vez, quis fazer um trocadilho com o nome do conjunto Placa Luminosa, da década de 1970. Isso também se explica: André, ou Placa, além de músico de uma banda gospel, também é professor de música e toca vários instrumentos. Filho de pai negro e mãe branca, tem descendência italiana. Um primo distante, por parte de pai, também era albino.
Alex é casado e confessa que para ele e a esposa não será problema nenhum se tiveram um bebê albino também. “Isso não me assusta. Hoje, não sinto tanto aquela coisa das pessoas ficarem me olhando. Antigamente era diferente. Quando era criança, as pessoas falavam mais”, relata.

NATURALIDADE - Da mesma opinião compartilha Alex. Ele diz que algumas vezes se incomoda com os olhares diferentes, mas nunca se nega a responder quando perguntam, por curiosidade, sobre o albinismo. Ele mesmo pesquisou muito sobre o distúrbio.
Alex vem de uma família negra e é o terceiro de quatro irmãos, hoje órfãos com o falecimento recente da mãe. Ele é o único albino e todos moram com a avó. “Quando nasci, minha mãe estranhou, chegou a falar para o médico que não era filho dela, mas minha avó assistiu ao nascimento e confirmou. Os dermatologistas disseram que tenho 25% de chances de ter filhos albinos e isso não é problema. Seria até engraçado, porque eles fariam as mesmas perguntas que um dia eu fiz. Também nunca houve diferença entre eu e meus irmãos, porque minha mãe sempre nos tratou de forma unitária”, admite. 
Bem resolvido com a aparência, Alex diz ainda que precisa ser mais cuidadoso com a exposição ao sol, pois nunca se lembra de passar o protetor solar e o resultado é sempre ter que remediar com hidratante. “Chega a machucar o couro cabeludo”, confessa, prometendo se cuidar mais. 

Prevenção e cuidados são essenciais - O albinismo é considerado raro, sendo quase impossível prever a sua ocorrência, que pode aumentar e muito quando há casos na família. Por isso, de acordo com o dermatologista Sérgio Delort (CRM-SP 58898), os albinos devem seguir uma série de cuidados quando forem se expôr ao sol, pois a pele não bronzeia como as demais, pelo contrário, ela sofre queimaduras sérias. “Principalmente os cânceres de pele são muito mais incidentes nessa população. É preciso ter compreensão da prevenção; aplicar protetor social e cobrir a pele com roupas, usar óculos escuros com proteção contra raios ultravioletas e evitar os horários de sol mais forte. E é muito importante a visita regular ao médico na procura de algum tumor que seja precoce. Estes pacientes podem ter um tumor numa faixa etária muito menor do que habitualmente diagnosticamos”, explica Delort, acrescenta que existem graus de albinismo. Existe, por exemplo, pessoas que desenvolvem o albinismo ocular, sendo uma versão menos severa do distúrbio, afetando somente os olhos. Nestes casos, a cor da íris pode ser azul, verde ou castanho-claro e a visão tende a ficar comprometida, pela falta de melanina.
O especialista deixa claro que há como fazer aconselhamento genético para prever se filhos de albinos também o serão, porém, não há muitas formas de se evitar. “Toda doença genética tem o aconselhamento genético. Você tem a proporção de filhos que podem ter a doença ou não, mas não tem como selecionar”, diz.

Publicado no dia 05 de março de 2013 pela edição de nº 62 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Lucas Tannuri


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

AAEE luta pela socialização de seus alunos


Idealizada pelo professor Francisco Borba, a Associação de Atendimento Educacional Especializado (AAEE) começou a sair do papel em 1991 com a união de um grupo de pais. Foi a partir da doação de um terreno no Jardim Aclimação, por parte da Prefeitura, que a escola foi fundada 8 anos depois e hoje é uma entidade filantrópica beneficente. Começou com 9 alunos, dentre eles Ana Luisa Borba de 38 anos, autista e filha do professor Borba. A entidade atende hoje 87 alunos das mais variadas idades, sendo que o mais novo tem 6 e o mais velho, 57 anos. São pessoas de Araraquara, Santa Lucia, Américo Brasiliense, Boa Esperança e Bueno de Andrada. E na lista de espera há atualmente 30 candidatos. 
A Associação atende, especificamente, alunos com deficiências intelectuais e múltiplas, que são associações de síndromes intelectuais com deficiências físicas. As principais são down, paralisia cerebral, autismo, síndrome de West, síndrome de Edwards, síndrome de Sturge-Weber, síndrome de Kabuki. “Temos distúrbios de aprendizagem, de leitura e escrita, de matemática, de linguagem, e com a avaliação da psicóloga, conseguimos direcioná-los”, explica a diretora pedagógica Maria Alice Palaçon.
Ela conta que a maioria dos alunos chega por meio de encaminhamentos médico ou terapêutico, já diagnosticados e passam por um processo de triagem que envolve a psicóloga e a assistente social. Elas identificam as necessidades específicas do aluno e encaminham para as atividades. Também acontece de chegar casos raros, como o de João Pedro Jatobá Afonso, 7, que tem síndrome de Kabuki, uma anomalia congênita bastante rara. No caso de garoto, a psicóloga Edilaine Helena Scabello diz que ele apresenta déficit de linguagem, mas alto nível intelectual.
O eixo de atendimento é clínico e pedagógico e desenvolvido por uma equipe com pedagogos, assistente social, psicólogo, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, professor de educação física adaptada, professor de informática, educação física adaptada e monitores. Os alunos são divididos em duas turmas de meio período e recebem uma refeição. “No treino da alimentação, nós estimulamos a respiração, a mastigação, deglutição, além da experimentação de diversos tipos de alimentos, texturas e sabores como doce e salgado, amargo, azedo. Depois voltam para treinos de higiene pessoal, ir ao banheiro, escovar dentes. Tudo voltado para a independência deles, embora muitos nunca poderão ser totalmente independentes, mas nós temos que estimula-los mesmo assim”, diz Maria Alice. 
E o ambiente ajuda muito, pois a entidade possui ampla área verde, com muitas árvores frutíferas e animais soltos, como pavões, gansos, galinhas, coelhos. “Nem todos conseguimos alfabetizar, mas trabalhamos as habilidades motoras, que são a coordenação, a lateralidade, a espacialidade, para que se localizem no ambiente. Esse universo é trabalhado de diversas formas, através de atividades no papel, brincadeiras, jogos, eles exploram muito a região externa da escola”, diz a diretora.
A equipe multidisciplinar também faz um trabalho de esclarecimento com a família dos alunos, passando o desenvolvimento dos mesmos e as necessidades de cada um.

Estrutura e recursos – A associação passa por uma fase de ampliação da sua área clínica, com a centralização dos atendimentos em espaço anexo. Os alunos também irão receber sala de multimeios para cinema, de terapia ocupacional, de fonoaudiologia, psicologia, biblioteca, brinquedoteca e, futuramente, pensa-se em uma quadra poliesportiva coberta. Mas para isso serão necessários mais recursos financeiros, que são angariados com eventos e doações de parceiros. A entidade também conta com a parceria da Secretaria Estadual de Educação e Prefeitura, por meio de doação de bolsas de estudo. Hoje, eles têm um custo/mês de R$ 50 mil com a folha de pagamentos.

Interação social
Um dos principais objetivos é a interação social e para isso os alunos realizam muitos passeios dentro da cidade. Ir ao supermercado é um deles e está ligado às atividades pedagógicas. “É também uma forma da sociedade olhar diferente para os deficientes. Quando a escola veio para o bairro, as pessoas tinham receio de se aproximar. Hoje eles sorriem, cumprimentam, brincam. A comunidade participa bastante das festas, principalmente da festa junina”, afirma Maria Alice, acrescentando que toda semana tem sempre parceiros do bairro para as atividades dos alunos, em grande parte, comerciantes. Essa interação aumenta no Dia das Crianças, quando muitas pessoas se oferecem para ajudar na festa.

Publicado em 19 de fevereiro de 2013 na edição nº 61 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Mateus Rigola

Quem foi Francisco Vaz Filho


A avenida Francisco Vaz Filho, antigamente era chamada de Estrada Municipal e ligava Araraquara a Américo Brasiliense. Recebeu essa denominação em 1974, por meio de decreto municipal de autoria do então prefeito Clodoaldo Medina. Quatro décadas depois, a via se tornou um dos mais importantes pontos de comércio da Vila Xavier e da cidade, comportando desde loja de móveis, material de construção, salões de beleza, oficinas e até casa de aluguel de vestidos de noiva. Em 3,4 quilômetros de extensão, ela começa na Alameda Paulista e segue até o Parque Pinheirinho, passando por oito bairros: Vila Biagioni, Jardim Pinheiro, Vila Joinville, Jardim América, Jardim Europa, Jardim Gaspar, Jardim Floridiana e Vila Tito de Carvalho. 
Levantar quem foi Francisco Vaz Filho e seu legado não foi tarefa fácil, já que a maioria de seus descendentes já não vive em Araraquara. Eles estão em Santos, litoral paulista, onde o cafeicultor araraquarense montou uma Companhia de Exportação para escoar o café produzido nas propriedades do interior de São Paulo.
Mas, antes disso, Vaz Filho fez história em Araraquara. Ele chegou inclusive a ser prefeito, por um curto período de três meses. Aliás, foi o primeiro a assinar o livro de posse da Prefeitura, em 3 de julho de 1932. Assim como Vaz Filho, outros nomes de influência local também assumiram a Prefeitura por ordem do interventor Federal no Estado de São Paulo. Eram épocas difíceis da Revolução Constitucionalista de 1930, movimento armado liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou com um golpe de Estado e depôs o Presidente da República Washington Luís, em 24 de outubro de 1930. O movimento impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e pôs fim à República Velha.
Da mesma forma, começou a diminuir o poder dos coronelistas sob a política local. Este período, entre 1929 e 1932, foi o marco do fim dos mandatos de Plínio de Carvalho, Bento de Abreu, Carlos Batista Magalhães, Américo Daniele e Dario de Carvalho, iniciado em 1908. Estes coronéis foram os idealizadores da ‘Cidade-Modelo’, os quais implantaram, em um período de 22 anos, as principais obras de embelezamento da cidade, mas também comandaram com mãos de ferro a política local. 
REVOLUÇÃO DE 1930 - Assim como conta o sociólogo e jornalista José Maria Viana de Souza, em seu livro A Ideologia da Cidade-Modelo, “o edifício da República Velha ruía sem oferecer resistência e a Revolução de 30 chegava para acertar contas com o passado oligárquico, abrindo caminho para uma reformulação radical da vida política nacional. Novos atores nomeados por decreto do interventor federal em São Paulo (governador) dirigiam a cidade por períodos muito curtos”.
Um texto escrito por Bento de Abreu para a edição de 10 de julho de 1932 do jornal O Imparcial, pede apoio ao novo prefeito, justificando que as mudanças ocorridas na administração eram reflexo do período que o país atravessava; isso se referindo à crise econômica de 1929 e Revolução de 1930. “Nesse período anormal, o prefeito não tem autonomia, como tinha no período constitucional. Daí a necessidade que todos os bons elementos locais o apoiem e prestigiem-no para que ele possa ter força de bem governar a cidade. Estou certo que este apoio não faltará, dadas as qualidades pessoais do novo prefeito”, assina Bento A. Sampaio Vidal.

Recordações da família - Francisco Vaz Filho era filho de Carlota Côrrea D’Almeida, da família Lourenço e Côrrea, filha do comendador Joaquim Lourenço Côrrea, que se mudou para Araraquara em 1840, e neta do sargento-mor José Joaquim Corrêa da Rocha, juiz das medições e que aqui adquiriu o Lageado quando veio assistir a medição de terras em 1812. Seu pai, Francisco Vaz D’Almeida, nasceu em Porto Feliz e veio para Araraquara para plantar café. Foi dono de muitas propriedades na cidade e região. Era membro da antiga nobreza portuguesa.
Do primeiro casamento, com Aida Côrrea, nasceu seu primogênito e companheiro nos negócios; Rubens Vaz. “A vovó morreu quando o papai tinha uns 18 meses. Ouvi dizer que foi tuberculose, mas eles não diziam estas coisas. Meu nome foi uma homenagem para ela”, diz Aida Maria Lepre Vaz, de 71 anos, neta de Vaz Filho. Ela ainda mora no antigo casarão comprado por seu pai no centro de Araraquara há quase um século, e conserva muitas lembranças e histórias.
Aida conta que da grande família sobrou em Araraquara ela e mais uma prima. Do avô, guarda poucas lembranças, como o seu jeito sério e seu olhar profundo. “Ele não tinha muita conversa, era muito sério, muito fechado. Sentava no cantinho e conversava mais com meu pai. Nós ficávamos mais no quintal, brincando. Quando ele ainda conseguia andar, descia até o banco na frente da casa e conversava com os conhecidos que passavam”, relembra.
Vaz Filho acabou ficando paralítico após um tombo que levou de um bonde em Santos. Primeiro andava com dificuldades, sempre com uma muleta a tiracolo, mas depois precisou usar cadeira de rodas. O cafeicultor também estava sempre de óculos escuros, pois era cego de um olho, devido a um tracoma, doença que afeta a conjuntiva e que leva a uma inflamação crônica. “Ele estava sempre de Ray Ban preto”, lembra Aida.
Por volta de 1923, Vaz Filho casou-se pela segunda vez, com Maria Teresa de Andrada Fortes, a dona Sinhá, com quem teve três filhos: Cyro, Maria Antonietta e Carlos Armando. “Ele era sério, mas gostava de contar muitas histórias, tinha um humor inteligente. Falava muito da passagem do cometa Halley, dizia que nós veríamos, mas ele não”, conta a neta Maria Luísa Albiero Vaz, de 53 anos, historiadora e que mora em São Paulo. 
Francisco Vaz Filho, depois de casado, morou até o fim da vida em um palacete na Rua Padre Duarte, esquina com a Rua Duque de Caxias, onde hoje funciona uma agência bancária. Por quase 15 anos morou em Santos, em uma bela casa. “A casa de Santos era linda. Nos reuníamos bastante lá. Íamos ver navio chegando no Porto. Ele comprou a casa lá para ficar mais perto da exportação do café”, relembra Aida.
Vaz Filho faleceu em 26 de fevereiro de 1968, 17 anos antes da última aparição do cometa Halley.

Publicado em 19 de fevereiro de 2013 pela edição nº 61 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Lucas Tannuri e arquivo da família

Paixão pela Ferroviária


As tentativas frustradas da Ferroviária de retornar à elite do futebol paulista rendem muitas críticas ao time. Mas poucos têm tanta propriedade para comentar sobre a Ferroviária, sua história e sua situação atual na série A2 do campeonato paulista quanto Wanderley Nonato, o Fogueira, ex-lateral esquerdo e capitão do time de 1966, que liderou a campanha rumo à primeira divisão do Campeonato Paulista. 
Aquele que suava a camisa em campo, agora vai sempre ao estádio e não perde a oportunidade de assistir aos jogos ao lado dos antigos amigos. Tanta devoção está ligada a uma época em que foi muito feliz defendendo as equipes do interior. Natural de São José do Rio Preto (SP), estreou pelo América, se destacando entre os jogadores durante o torneio João Mendonça Falcão, da 1ª Divisão, em 1962. Atuou como lateral-direito, zagueiro, volante, mas se firmou mesmo na lateral-esquerda.
O jovem jogador chegou a ser sondado pelo Palmeiras, mas acabou vindo para a Ferroviária em 1963, com apenas 20 anos, onde ficou oito anos e participou de campeonatos que renderam queda e volta à Divisão Especial. Durante estas temporadas, foi capitão e cobrador oficial de pênaltis.
Emprestado para o Corinthians, disputou nove partidas pelo Timão. Depois, defendeu a camisa da Portuguesa por dois anos. Encerrou a carreira inesperadamente, jogando pelo Comercial de Ribeirão Preto. Ele tinha apenas 32 anos. “Num jogo contra a equipe de Bauru, estourei o joelho numa jogada chamada ‘cama de gato’. O atacante entrou por baixo e eu caí de cabeça, voltei o corpo e caí em cima do joelho. Esse jogador tinha sido mandado embora do Comercial e estava meio bronqueado com o ex-clube. Nessa jogada maldosa, me preparou essa. Mas hoje já esqueci, passou”, recorda.
Depois disso, Fogueira ficou por seis meses como técnico do Comercial, mas decidiu deixar o futebol. Voltou para São José do Rio Preto, onde o irmão já tinha uma ótica, e decidiu investir no mesmo segmento. Como a esposa é natural de Araraquara, voltou para a Morada do Sol, onde montou sua própria ótica e vive muito bem com família, garante. “Para mim, foi melhor, porque fui cuidar da minha vida e, graças a Deus, cheguei a atingir meu objetivo. Não me arrependo de nada”, confirma.
Mas ele não excluiu totalmente o futebol de sua vida. De volta à Araraquara, fez parte de duas diretorias da Ferroviária e, por oito anos, foi comentarista esportivo ao lado do radialista José Roberto Fernandes. Hoje comemora o fato de poder ir ao estádio como torcedor e extravasar todo o sentimento pelo time do coração.

HONRAR A CAMISA - Perguntado sobre o que o capitão de 1966 diria a respeito da atual equipe da Ferroviária, que luta para voltar à série especial, Fogueira dispara: “eu diria o seguinte - honrar a camisa que está vestindo, independente de qualquer coisa. Porque o bom profissional, quando entra em campo, não quer saber se a chuteira não é aquela, se o pagamento está atrasado e se o bicho vai ser x ou y. E união, porque eu fui capitão por cinco anos na Ferroviária e eu cobrava dos meus amigos. O capitão tem que ser um jogador com dignidade, força de vontade e mostrar que realmente tem capacidade, senão a equipe é um barco sem rumo”, finaliza. 

Palavra de capitão - “A solução seria a Ferroviária ter um Centro de Treinamento, pois a cada dia treina em um lugar diferente. Tínhamos um estádio, hoje não temos mais, não tem seu vestiário. Tinha até um campo de baixo, onde aconteciam os treinamentos, não tem mais. Essa é a realidade”, avalia Fogueira.
Ele diz que se sente decepcionado em ver o time do coração na segundona e garante que as equipes do interior, de um modo geral, foram prejudicadas pela Lei Pelé, pois os jogadores deixaram de ser dos clubes e passaram para as mãos dos empresários. “Não dá tempo de montar um time; a cada três meses muda tudo. Antigamente, uma equipe jogava seis, sete anos junta e existia conjunto. Hoje eles montam em cima da hora e não tem aquela técnica necessária para estar em condições melhores. Estrutura significa ter jogadores seus, que no ano seguinte possa contar, e ver o que está faltando e trazer para preencher e formar um time base. A Ferroviária tinha um time base, que eram os aspirantes, e quando vendia um jogador, o outro já entrava. O time não sentia, porque já vinha naquele mesmo esquema de jogo e treinamento”, afirma.

Publicado em 19 de fevereiro de 2013 pela edição nº 61 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Mateus Rigola

Aos poucos, eles vão se rendendo à tecnologia


A conversa foi levada no ritmo de um relógio de bolso que estava sobre a mesa. O tic-tac mecânico era o único aviso sonoro que ponteava o bate-papo que jamais seria interrompido por uma ligação de celular. Poeticamente falando, era exatamente este o clima da entrevista no escritório do arquiteto e urbanista Francisco Santoro. Por muitos anos ele se recusou a incorporar aos seus hábitos diários tecnologias como computador, internet e celular. Tanto que ainda conserva em muito bom estado de uso a mesma máquina fotográfica que comprou em 1977, uma Olympus, para fazer imagens de seus projetos. “Gosto de revelar a foto em papel”, confessa. 
Chico já trabalhou com três prefeitos, desenvolveu muitos projetos para a cidade e região e hoje assina uma média de 20 trabalhos por mês. Além disso, é integrante do grupo “Os Chicos”, que tem um repertório diversificado com samba, MPB e bossa nova  e, eventualmente, se apresenta em bares da cidade.
Com tantas atividades e agitação no dia a dia, como viver sem a velocidade atual da comunicação? Ele responde: “Minha urgência é relativa. Se cair o prédio, é problema do engenheiro, sou arquiteto. O agora é importante, mas fiz a opção de não ficar escravo.” Para ele, tantas possibilidades tecnológicas de comunicação acabam com a alegria de ter a presença das pessoas. “É questão de educação e perdemos muito dela, porque estamos conversando e o celular toca, vou interromper para atender. Eu viajo muito de ônibus e não consigo dormir ou ler um livro porque tem muitas pessoas conversando no celular, ouvindo música”, exemplifica.
Do mesmo pensamento compartilha o educador físico Fábio Rogério Miquilini da Silva, 30. Ele relutou muito para ter um celular e agora tem, mas raramente usa. “Acabei comprando para suprir uma necessidade dos outros. A minha geração foi criada sem isso, acho falta de educação ficar atendendo o celular o tempo todo”, revela.
Ele é preparador físico da equipe de Basquete da Fundesport e por isso, precisa sempre de um contato direto com a equipe. Acabou comprando o celular de tanto as pessoas cobrarem e, principalmente, a esposa, que não aguentava mais marcar recados para ele; muita gente, quando precisa falar com Fábio, acaba ligando no celular da esposa para deixar recado. “Até o Facebook dela usam para passar recados para mim”, acrescenta o preparador físico, admitindo que se irrita de ver as pessoas penduradas no aparelho. E dentro da quadra, o celular é proibido.

NA MEDIDA CERTA - A psicóloga Daniele Zorzi explica que não há um padrão para denominar as pessoas dependentes da tecnologia, apenas que se trata de mais um fator comportamental de socialização, fruto do novo modo de vida. “Todos já estão engajados na sociedade e a sociedade está engajada neste modernismo. As pessoas que não aderem a esse comportamento acabam por se sentirem rejeitadas, excluídas da sociedade. Muitas vezes, esse comportamento de fazer tudo ao mesmo tempo está relacionado ao fato de tudo ser muito rápido e se você não for rápido o suficiente, corre o risco de ser excluído”, analisa. 
Para ela, é preciso identificar comportamentos patológicos. Esses sim merecem atenção e cuidados. “Se você dorme com o celular e a qualquer toque corre pra atender, é sinal de que está se tornando um viciado. Se você sai e o esquece, parece que teve uma parte do corpo amputada, também já é um dos sinais”, contextualiza Daniel. “O primeiro passo é ter consciência de que precisa maneirar no uso do aparelho”, acrescenta.
Para Fabio, as coisas são mais simples. O celular é quem tem que esperar para ser usado quando necessário e não apenas para situações imediatistas que podem ser resolvidas quando as pessoas estão juntas. Já para o arquiteto Chico Santoro, o celular foi adquirido recentemente para agregar valor ao seu trabalho. Ele se utiliza da internet e do próprio telefone quando está em suas viagens a trabalho. Também sempre abre seu e-mail, onde fala com os clientes. Mas nada de exageros.
A propósito, no pulso o arquiteto leva um relógio digital que possui várias funções, das quais nem mesmo ele sabe dizer ao certo que valia tem. Porém, o que ele mostra com orgulho é o Roskopf Patent, relógio de bolso suíço, muito utilizado no início do século passado por trabalhadores, principalmente, das ferrovias. O mesmo que serviu de inspiração para o início desta reportagem. “Era um modelo dado para chefes de estação. Gosto muito de usá-lo em eventos ferroviários”, finaliza Chico Santoro. 

Publicado em 19 de fevereiro de 2013 pela edição de nº 61 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Lucas Tannuri