terça-feira, 5 de março de 2013

Colecionador de história


A aproximadamente 5 quilômetros do centro da cidade, o engenheiro mecânico Murilo Leonardi, 73 anos, guarda verdadeiras relíquias. Sua coleção reúne 100 aviões, cerca de 15 veículos antigos e umas 300 motocicletas. Detalhe: cada uma das peças remonta a uma parte da história mundial dos últimos dois séculos, com raridades como um BMW de 1956; uma motocicleta de cinco cilindros, com motor dentro da roda, que foi um modelo alemão usado como arma secreta durante a 2ª Guerra Mundial; além de aviões antigos de acrobacias. 
Leonardi é engenheiro mecânico e tem especialização em engenharia aeronáutica. Foi professor da USP, engenheiro do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) e trabalhou no Centro Técnico da Aeronáutica (CTA). Ele conta que desde criança era apaixonado por mecânica e tinha uma atração louca por motocicletas, tanto que sua primeira, um modelo japonês de 1940, conquistou aos 10 anos. Passou a colecionar motos, depois de formado. Antes, no período da faculdade, tempo em que também dava aulas em Pirassununga e São Carlos, viajava com uma moto de 1949, refrigerada a água, com transmissão por eixo cardano e partida na mão. Ela está guardada no barracão como tantas outras.
Sua grande aquisição naquela época foi uma Ariel 500 cilindradas, com a qual pôde viajar pela região. Com o tempo, elas foram se amontoando e hoje estão em três barracões. Murilo diz que todas funcionam, apesar de parecerem abandonadas, basta apenas reparos ‘superficiais’. “Vai ter que limpar, abrir o carburador, lixar o platinado, aquelas operações típicas”, detalha o colecionador, que já viajou para diversos estados brasileiros em busca das possantes, principalmente para a região Norte.
As que ele mais se utiliza, porém, estão em sua casa, como a Zundapp de 1951, moto alemã que usa para andar pela cidade. Quando resolve viajar, vai com a Traianf Especial de 950 cilindradas, ano 2001. “Eu nunca tive a intenção de fazer nada com minha coleção. Tenho porque gosto. Ultimamente, me fizeram algumas propostas, inclusive um pessoal da cidade quer fazer um museu e levar estas motos para lá. São coisas que estou pensando ainda”, diz. 

GUINADA PARA O ALTO – A paixão pelas motocicletas o levou ao encontro a algo ainda mais veloz. Leonardi também gostava de viajar para outras cidades para ver shows de acrobacia de aviões. Acabou tirando o brevê em 1966 e passou a voar com aeromodelos de aeroclubes. No entanto, segundo ele mesmo relata, em 1971, perdeu o gosto por tudo, quando, depois de um ano apenas de casado, se separou da esposa. Foi quando o piloto de acrobacias Alberto Bertelli, seu grande amigo, o aconselhou a comprar um avião, um Ryan, modelo STAS. “Ele é de 1936 e era usado em treinamentos da 2ª Guerra Mundial. Na China, eles adaptavam uma metralhadora com emenda nas asas. Mas é um caça leve”, explica o piloto e colecionador. Daí em diante, a vida passou a ser levada nas alturas.  Ao lado do amigo Bertelli, participou de muitos shows de acrobacia, sendo premiado algumas vezes. “Viajamos para Rio Claro, Campinas, Sorocaba, Americana; fui a várias cidades com esse avião. O Bertelli ia com um Biker, um biplano da mesma época. Eram acrobacias simples, tulo, lupin, parafuso, nada igual às acrobacias mais violentas de hoje”, compara.
Como não saia mais do aeroclube, passou a dar aulas de instrução de voo. Mas, em 1978, perdeu o gosto de voar após a morte do amigo Bertelli. Há cerca de 20 anos, resolveu montar seu próprio aeródromo, onde guarda seus modelos e de seus amigos que também adquiriram aeronaves de pequeno porte .
E aos sábados, todos se reúnem para levantar voo. Hoje, Leonardi pilota um Triaton, um monoplano projetado na Universidade de Uberlândia por Claudio Pinto de Barros, falecido em 2012. “É um avião muito bom, baseado em um avião italiano, com motor jabiru 120hp austríaco de seis cilindros. Comporta duas pessoas”, diz.

Histórias de aviador - Com tanto tempo envolvido com aviação, Murilo Leonardo acabou colecionando também algumas lendas. Uma delas envolve sua primeira aquisição; o Ryan. Segundo contam, o primeiro dono da aeronave, Anésio do Amaral, que era campeão mundial de acrobacias, foi encontrado morto ao lado do avião. Muitos acreditaram que ele tivesse cometido o suicídio. Passado um tempo, a viúva vendeu o avião e, anos depois, o novo dono foi encontrado morto da mesma forma. Então, a polícia descobriu que assim como o avião, o segundo dono também havia assumido a amante do anterior. Ambos tiveram filhos com esta mulher, que diziam ser belíssima. “Ela confessou que eles prometeram que cuidariam dela e das crianças; como não cumpriram, ela acabou matando os dois.”

Publicado no dia 05 de março de 2013 pela edição de nº 62 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Lucas Tannuri

Produção independente


Nada como poder viver da própria arte. Algo difícil, mas possível. É o caso de Luciano Salles, conhecido como Pirica, 38, ilustrador de Araraquara, que conta com trabalhos, inclusive que rodam o mundo por meio de projetos internacionais. 
Atualmente, ele trabalha em seu segundo HQ (história em quadrinhos) e diz que não tem editora desde o primeiro, lançado em 2012, porque prefere fazer tudo à sua maneira. “Claro que vou ter que custear a impressão, mas esse investimento consigo recuperar com as vendas”, diz nosso personagem.
Ele explica que tem a ideia, produz o roteiro, revisa e então começa a desenhar quadro a quadro. Essa próxima história é ambientada no ano de 2.177 e tem como ponto central a individualização das pessoas e, como consequência, o fim do acaso, tendo a tecnologia como principal motivo desse distanciamento humano. “Houve um ajeitamento das placas tectônicas e a Euro/Ásia sumiu, afundou. Então, houve um realojamento de toda a Europa, de toda a Ásia para o resto dos países. E isso mudou todo o jeito de ser do planeta. Por exemplo, no nosso caso, a França veio alocada para o Brasil. É um ajustamento geopolítico”, relata, adiantando o enredo.
Mas como toda boa história tem um porém, Juliette Manon, a heroína de 15 anos, irá salvar o planeta corrompido pelo descaso humano, gerando o quarto vivente. E este é nome da nova história em quadrinhos, ‘O Quarto Vivente’, que deve ter 35 páginas.
Luciano diz que pretende imprimi-lo até junho, mas visa na verdade lançá-lo em novembro no 3º Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) de Belo Horizonte (MG). Porém, não descarta o lançamento do trabalho em Araraquara e região, contando com o apoio do SESC, um velho parceiro que sempre faz exposição de seus trabalhos. 
O que mais conta a seu favor, segundo o próprio ilustrador, é que o público de HQ é fiel e tem muitos contatos via internet, por isso a venda de seus trabalhos acontece quase que toda de maneira online, por meio do http://dimensaolimbo.com

COMO TUDO COMEÇOU – A intimidade com papel e lápis começou quase que junto com o aprender a falar e andar para Salles. Desde jovem faz ilustrações, fazendo trabalhos diversos para editoras de renome, como a Abril e a Companhia das Letras. Seu primeiro HQ foi lançado em junho do ano passado, com o nome de Luzcia, a dona do boteco. Ele explica: “É uma senhora que tem uma artrite generalizada muito forte e é dona de um boteco. Para bancar os remédios caros, usa de meios não muito convencionais”.  Luciano fala que fez a história bem rápido, com apenas 12 paginas, para divulgar o seu trabalho. Imprimiu 100 números e vendeu todos. Por isso, vai aproveitar a impressão do segundo trabalho e reeditar A dona do boteco. Tudo vai para a FIQ e estará no site, basta acompanhar e boa diversão. 

Publicado em 05 de março de 2013 na edição de nº 62 da Revista Kappa de Araraquara
Foto: Lucas Tannuri

Os filhos da lua


O albinismo é um distúrbio congênito caracterizado pela ausência completa ou parcial de pigmento na pele, cabelos e olhos, causada pela ausência ou defeito de uma enzima responsável pela produção de melanina que protege nosso corpo dos raios solares. Por isso, os albinos têm a pele sensível, alguns de aparência rosada. Eles também podem sofrer de transtornos visuais como fotofobia, movimento involuntário dos olhos ou estrabismo e, em casos mais severos, cegueira. Apesar do risco dessas complicações, quando se segue a orientação dos médicos, é possível ter uma vida normal. 
Chamados de filhos da lua, os albinos se sentem mais à vontade em ambientes abertos no período noturno. Porém, segundo relatos de Alex Hilário, 20 anos, e André Luís da Silva, 37, o sol não os impede de desempenhar suas atividades, sejam profissionais ou de lazer. “Usando protetor solar, posso ir à praia ou andar pelo sol tranquilamente. Uso protetor solar fator 30 ou 50. Minha pele machuca de fazer bolhas somente se eu ficar mais de quatro horas exposto ao sol quente, fora isso, é tranquilo”, confirma André, também conhecido como Placa. Ele explica: o apelido veio de um amigo pernambucano que, há duas décadas, quando o viu pela primeira vez, quis fazer um trocadilho com o nome do conjunto Placa Luminosa, da década de 1970. Isso também se explica: André, ou Placa, além de músico de uma banda gospel, também é professor de música e toca vários instrumentos. Filho de pai negro e mãe branca, tem descendência italiana. Um primo distante, por parte de pai, também era albino.
Alex é casado e confessa que para ele e a esposa não será problema nenhum se tiveram um bebê albino também. “Isso não me assusta. Hoje, não sinto tanto aquela coisa das pessoas ficarem me olhando. Antigamente era diferente. Quando era criança, as pessoas falavam mais”, relata.

NATURALIDADE - Da mesma opinião compartilha Alex. Ele diz que algumas vezes se incomoda com os olhares diferentes, mas nunca se nega a responder quando perguntam, por curiosidade, sobre o albinismo. Ele mesmo pesquisou muito sobre o distúrbio.
Alex vem de uma família negra e é o terceiro de quatro irmãos, hoje órfãos com o falecimento recente da mãe. Ele é o único albino e todos moram com a avó. “Quando nasci, minha mãe estranhou, chegou a falar para o médico que não era filho dela, mas minha avó assistiu ao nascimento e confirmou. Os dermatologistas disseram que tenho 25% de chances de ter filhos albinos e isso não é problema. Seria até engraçado, porque eles fariam as mesmas perguntas que um dia eu fiz. Também nunca houve diferença entre eu e meus irmãos, porque minha mãe sempre nos tratou de forma unitária”, admite. 
Bem resolvido com a aparência, Alex diz ainda que precisa ser mais cuidadoso com a exposição ao sol, pois nunca se lembra de passar o protetor solar e o resultado é sempre ter que remediar com hidratante. “Chega a machucar o couro cabeludo”, confessa, prometendo se cuidar mais. 

Prevenção e cuidados são essenciais - O albinismo é considerado raro, sendo quase impossível prever a sua ocorrência, que pode aumentar e muito quando há casos na família. Por isso, de acordo com o dermatologista Sérgio Delort (CRM-SP 58898), os albinos devem seguir uma série de cuidados quando forem se expôr ao sol, pois a pele não bronzeia como as demais, pelo contrário, ela sofre queimaduras sérias. “Principalmente os cânceres de pele são muito mais incidentes nessa população. É preciso ter compreensão da prevenção; aplicar protetor social e cobrir a pele com roupas, usar óculos escuros com proteção contra raios ultravioletas e evitar os horários de sol mais forte. E é muito importante a visita regular ao médico na procura de algum tumor que seja precoce. Estes pacientes podem ter um tumor numa faixa etária muito menor do que habitualmente diagnosticamos”, explica Delort, acrescenta que existem graus de albinismo. Existe, por exemplo, pessoas que desenvolvem o albinismo ocular, sendo uma versão menos severa do distúrbio, afetando somente os olhos. Nestes casos, a cor da íris pode ser azul, verde ou castanho-claro e a visão tende a ficar comprometida, pela falta de melanina.
O especialista deixa claro que há como fazer aconselhamento genético para prever se filhos de albinos também o serão, porém, não há muitas formas de se evitar. “Toda doença genética tem o aconselhamento genético. Você tem a proporção de filhos que podem ter a doença ou não, mas não tem como selecionar”, diz.

Publicado no dia 05 de março de 2013 pela edição de nº 62 da Revista Kappa de Araraquara
Fotos: Lucas Tannuri